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CIÊNCIA E PSEUDOCIÊNCIA

  • Lucio Hammes
  • 4 de nov. de 2004
  • 15 min de leitura

Prof. : Lúcio Jorge Hammes 1 Introdução 1.1 Objetivo Oportunizar o debate sobre a filosofia de Imre Lakatos com o aprofundamento de questões relacionadas ao conhecimento objetivo, um dos enfoques predominantes na filosofia da ciência contemporânea, com ênfase nas análises das práticas científicas para a revisão e o aprofundamento das questões tradicionais da epistemologia e da ontologia, critérios que presidem as mudanças cientificas para o debate entre fundacionismos e relativismos epistemológicos. Com esta aula proponho: - Apresentar a posição de Imre Lakatos sobre a ciência e a pseudociência, temática central da filosofia de Lakatos. - Debater sobre questões que mobilizaram os filósofos da ciência no início do séc. XX (análise lógica da linguagem, fundamentos empíricos da ciência, critério de significação cognitiva), mostrando como suas soluções promoveram a revisão e a revitalização da tradição fundacionista na epistemologia. - Analisar as objeções de Popper ao programa do empirismo lógico e o debate que se seguiu entre o autores acerca da possibilidade de as mudanças científicas serem presididas por decisões e critérios racionais. - Promover a compreensão dos problemas que mobilizam as reflexões filosóficas contemporâneas sobre a ciência (subdeterminação da teoria pelo dados, progresso científico, incomensurabilidade etc.), que constituem uma agenda de discussão em grande parte herdada da tradição historicista inaugurada por Kuhn. 1.2 AUTOR Imre Lakatos, nascido Imre Lipschitz em 1922 na Hungria, faleceu em 1974 em Londres. De família judia, conseguiu sobreviver à perseguição nazi alterando o seu nome para Imre Molnár. Durante os anos da guerra graduou-se na Universidade de Debrecen em matemática, física e filosofia. Depois da guerra, alterou o apelido para Lakatos. Trabalhou no Ministério Húngaro da Educação, mas teve problemas em acatar ordens das autoridades russas pelo que foi preso em 1950, por três anos. Lakatos passou a viver de traduções. Em 1956, aquando da revolução húngara, abortada pelos Russos, fugiu para Viena e daí para Inglaterra, onde se doutorou em Filosofia pela Universidade de Cambridge. Escreveu diversos artigos primeiro sobre filosofia da matemática, depois sobre filosofia da ciência, mas sempre ilustrados com estudos de casos históricos. 1.3 Ciência e pseudociência Uma pseudociência é qualquer tipo de informação que se diz ser baseada em fatos científicos, ou mesmo como tendo um alto padrão de conhecimento, mas que não resulta da aplicação de métodos científicos. Motivações para a defesa ou promoção de uma pseudociência variam de um simples desconhecimento acerca da natureza da ciência ou do método científico,a uma estratégia deliberada para obter benefícios financeiros ou de outra natureza. Algumas pessoas consideram algumas ou todas as formas de pseudociências como um entretenimento sem riscos. Outros, como Richard Dawkins, consideram todas as formas de pseudociência perigosas, independentemente destas resultarem ou não em danos imediatos para os seus seguidores. 1.3.1 Classificação de Pseudociências Tipicamente,as pseudociências falham ao não adoptar os critérios da ciência em geral (incluindo o método científico), e podem ser identificadas por uma combinação de uma destas características: Ao aceitar verdades sem o suporte de uma evidência experimental; Ao aceitar verdades que contradizem resultados experimentais estabelecidos; Por deixar de fornecer uma possibilidade experimental de reproduzir os seus resultados; Ao aceitar verdades que violam falseabilidade; ou Por violar a Razão de Occam (o princípio da escolha da explicação mais simples quando múltiplas explicações viáveis são possíveis); quanto pior for a escolha, maior será a possibilidade de errar. Pseudociências são distinguíveis de revelações, teologias ou espiritualidade pois elas dizem revelar a verdade do mundo físico por meios científicos (ou seja, muitas normalmente de acordo com o método científico). Sistemas de pensamento que se baseiam em pensamentos de origem "divina" ou "inspirados" não são considerados pseudociência se eles não afirmam serem científicos ou não vão contra a ciência. 1.3.2 O Problema da Demarcação Depois de mais de um século de diálogo activo, a questão do que marca as fronteiras da ciência permanece indefinida. Como consequência a definição do que constitui uma pseudociência continua a ser controversa. Há um consenso razoável em certos casos. O critério da demarcação é tradicionalmente ligado a uma filosofia da ciência ou a outra. O Positivismo lógico, por exemplo, expõe uma teoria do significado que estabelece que apenas as assertivas sobre observações empíricas são significativas, efectivamente definindo que assertivas que não são derivadas desta forma (incluindo todas as assertivas metafísicas) são sem significado. Mais tarde, Karl Popper atacou o positivismo lógico e introduziu o seu próprio critério de demarcação falseabilidade. Este, por sua vez, foi criticado por Thomas Kuhn, e ainda pelo seguidor de Popper Imre Lakatos que propôs o seu próprio critério de demarcação que distingue entre programas de pesquisa progressivos e degenerativaos. Veja em Problema da demarcação um artigo completo. 1.3.3 Exemplos de Pseudociência Exemplos de campos de pesquisa que muitos consideram em diferentes graus, pseudo-científicas. Fusão fria, pseudoarqueologia, Cubo do tempo de Gene Ray, astrologia, Homeopatia e Criacionismo . 1.4 Obra Partindo inicialmente das idéias de Popper, mas procurando desenvolvê-las a fim de superar as críticas de Kuhn e de Feyerabend, o húngaro Imre Lakatos (1922- 1974), que também pode ser considerado como um racionalista crítico, propõe sua metodologia dos programas de pesquisa científica como uma explicação lógica do fazer científico. Lakatos afirma que os relatos indutivistas e falsificacionistas da ciência são falhos por não considerarem a complexidade do estudo histórico das principais teorias científicas. Assim, ele procurou analisar de que modo a razão e a história participaram do processo de crescimento e desenvolvimento do conhecimento científico. Inclusive, ao defender esta linha de pensamento, Lakatos, numa paráfrase a Kant7 , afirmou que “a filosofia da ciência sem a história da ciência é vazia; a história da ciência sem a filosofia da ciência é cega” (apud SILVEIRA, 1996b, p.220). Assim, na tentativa de melhorar o falsificacionismo de Popper e superar as objeções a ele (CHALMERS, 2000), Lakatos afirma que a história da ciência permite verificar que as teorias científicas não são abandonadas mesmo quando apresentam possíveis falsificações. Ou seja, muito tempo pode decorrer antes que possa ocorrer o falseamento de uma teoria que apresente dados problemáticos. Lakatos cita vários exemplos históricos a fim de validar esta idéia8. Observações da órbita da Lua, por exemplo, apresentaram inconsistências em relação à teoria gravitacional de Newton, e seguiram-se quase cinqüenta anos até que fosse descoberto que o problema não era na teoria newtoniana, e sim devido a outros fatores não previstos. Caso semelhante ocorreu em rerlação à órbita do planeta Urano, pois observações astronômicas também estavam refutando a teoria gravitacional de Newton. Mais uma vez, no entanto, não se refutou a teoria de Newton, mas procurou-se atribuir as discrepâncias observacionais a outro fator, no caso, a existência de outro planeta, ainda desconhecido. Em 1845 foram feitos cálculos, usando a teoria gravitacional de Newton, que permitiram prever a localização deste suposto planeta. Novas observações resultaram na descoberta do planeta Netuno. Outro exemplo diz respeito à teoria heliocêntrica de Copérnico, que mesmo falsificada por argumentos, como o da torre, da Lua, da ausência de paralaxe, de variação de tamanho dos planetas , e outros, que pareciam incontestáveis na época, manteve-se apoiada por vários matemáticos e filósofos naturais, incluindo celebridades como Kepler e Galileu, que inclusive, exerceram influência inquestionável na construção, por Newton, da dinâmica dos movimentos e da teoria gravitacional. Lakatos, a partir destas e outras contestações históricas, procurou demonstrar que a não refutação imediata das teorias permitiu o progresso da ciência. Segundo Chalmers (2000, p.112): Está claro que a ciência avançará mais eficientemente se as teorias forem estruturadas de maneira a conter em seu interior indícios e receitas bastante claros quanto a como elas devem ser desenvolvidas e estendidas. Elas devem ser estruturas abertas para que ofereçam um programa de pesquisa. Assim, para Lakatos, os programas de pesquisa, ao fornecerem programas coerentes como guia de pesquisas futuras, permitiriam avaliar objetivamente o progresso da ciência. A metodologia dos programas de pesquisa de Lakatos estabelece que o programa de pesquisa deva possuir um núcleo rígido, ou seja, um conjunto de leis consideradas irrefutáveis, que são os princípios fundamentais de uma teoria. Exemplificando: na mecânica newtoniana o núcleo rígido é composto pelas três leis de Newton e a lei da gravitação de Newton, na astronomia copernicana o núcleo rígido supõe que o Sol é estacionário e os planetas, inclusive a Terra, giram em torne dele, em órbitas circulares, no materialismo histórico de Marx, o núcleo rígido supõe que a mudança histórica é explicada pelas lutas de classes, na teoria do flogisto, o núcleo rígido supõe que na combustão há liberação de flogisto . Além do núcleo rígido, o programa de pesquisa deve possuir um cinturão de proteção, que possui um conjunto de hipóteses auxiliares e condições iniciais passíveis de serem refutadas, protegendo assim, o núcleo contra refutações, condição imprescindível para que as anomalias não provoquem abandonos precipitados de teorias, o que além de evitar que os pesquisadores fiquem confusos, permite períodos propícios ao desenvolvimento e o progresso das pesquisas. Foi desta forma, mantendo o núcleo rígido, e promovendo alterações no cinturão de proteção, que foi possível, por exemplo, manter a teoria newtoniana e progredir em direção à descoberta do planeta Netuno. Esta regra de manter intacto o núcleo rígido, é chamada, por Lakatos, de heurística negativa, do programa. Haveria também a heurística positiva, que estaria relacionada com as sugestões e propostas de modificação do cinturão de proteção, a fim de tornar as observações refutáveis em observações concordantes com o núcleo. A heurística positiva apresenta um programa que inclui uma cadeia de modelos cada vez mais complicados, que simulam a realidade: a atenção do cientista focaliza-se na construção dos modelos de acordo com as instruções que figuram na parte positiva do programa. (LAKATOS, 1979, p.165) Para avaliar os programas de pesquisa, Lakatos propõe critérios que permitem classificá-los em progressivo e degenerativo. Um programa está progredindo, ou seja, é progressivo, quando modificações no cinturão de proteção levam à previsão de novos fatos, e um programa está regredindo, ou ainda, é degenerativo, quando acrescenta ajustes ad hoc que não prevêem nenhum fato novo, ou, se prevê, este fato não é corroborado. Um exemplo, segundo Lakatos, é o caso do programa marxista, que previu fatos novos que nunca se concretizaram, como por exemplo, o empobrecimento absoluto das classes trabalhadoras, a ocorrência da revolução socialista em uma sociedade industrial desenvolvida, a ausência de revoluções em sociedades socialistas (SILVEIRA, 1996b). Lakatos concorda, então, com Popper na crença de que a ciência procura aumentar seu conteúdo empírico e preditivo de suas teorias, e que esse aumento de conteúdo não deve ser ad hoc. Ao contrário de Kuhn que considera a revolução científica como um processo irracional, resultado da psicologia das multidões, Lakatos afirma que a passagem de um programa de pesquisa para outro é um processo racional. A superação de um programa de pesquisa, ocorre quando um programa rival possui maior conteúdo progressivamente preditivo, ou seja, prediz tudo que o programa confrontado prediz, e ainda mais. Segundo Lakatos: Como se sucedem as revoluções científicas? Se houver dois programas de pesquisa rivais e um deles progride, enquanto o outro degenera, os cientistas tendem a aderir ao programa progressivo. Esta é a explicação das revoluções científicas. (apud SILVEIRA, 1996, p.224) Porém, a superação de um programa por outro não é um processo imediato. Por exemplo, “oitenta e cinco anos se passaram entre a aceitação do periélio de Mercúrio como anomalia e sua aceitação como falseamento da teoria de Newton” e corroboração da teoria da relatividade de Einstein (apud ALVES-Mazzotti, 2001, p.35). É comum, durante o processo de superação, que os cientistas trabalhem em qualquer um dos programas, ou até mesmo, nos dois programas simultaneamente, o que evidencia que a tese da incomensurabilidade de Kuhn é insustentável. 1.5 CONCEPÇÃO MODERNA DE CIÊNCIA Fica assim apresentada uma das concepções modernas de ciência, as quais colocam o fazer ciência sob uma perspectiva muito mais realista: fazer ciência e' uma atividade humana como outra qualquer, e como tal esta' sujeita `as convicções e julgamentos dos grupos sociais que a realizam. Enfim, volto a frisar, me parece claro que não existe uma forma segura e objetiva de se extrair conhecimento cientifico mesmo a partir dos fatos. A ciência e' muito mais complexa do que se poderia supor a partir das concepções positivistas, pois tem-se que elaborar teorias cientificas apesar de toda a subjetividade e insegurança intrínsecas ao psiquismo humano. Evidentemente, o estatuto científico de uma teoria não pode ser decidido através da mera deliberação de se definir como uma "ciência". Esse atributo é inerente à natureza intrínseca da teoria, e não à denominação que se lhe dê. A tarefa de determinar quais as características de uma teoria são necessárias e suficientes ao seu enquadramento na categoria de ciência cabe à sub-área da Filosofia intitulada Filosofia da Ciência. Essa disciplina, assim como outros ramos do saber, vem evoluindo constantemente. Em seu caso específico, progressos essenciais ocorreram no século XX, e , mais acentuadamente, a partir da década de 60. Os trabalhos de vários filósofos, entre os quais Karl Popper, Willard Quine, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend e Imre Lakatos, evidenciaram graves problemas na concepção de ciência que prevaleceu durante séculos, e ainda hoje é muito freqüente encontrar-se entre os não filósofos. Muito simplificadamente, poderíamos dizer que pelo menos desde o surgimento da ciência moderna, por volta do século XVII, acreditava-se que a Ciência consistia na catalogação neutra de um grande número de "fatos", dos quais então resultariam, de maneira "espontânea", certa e infalível, as leis gerais que o regem; a reunião de tais leis constituiria então uma teoria científica. Conforme mencionamos, essa visão "clássica" de ciência mostrou-se insustentável. Percebeu-se que a descrição, busca e classificação dos fatos necessariamente envolve pressuposições teóricas de um tipo ou de outro; que nenhuma lei teórica pode resultar lógica e infalivelmente de um conjunto de fatos, qualquer que ele seja; que uma teoria científica não é um simples amontoado de leis, sendo, antes, uma estrutura dinâmica complexa, na qual participam elementos de diversas naturezas, como resultados observacionais, hipóteses livremente concebidas, regras para o desenvolvimento futuro da teoria, decisões metodológicas, fragmentos de outras teorias etc. 1.6 Leitura do texto “Popper, o falseacionismo e a ‘Tese Duhem-Quine” (pp. 224-234) 1.7 Visão geral da obra: programa de pesquisa Lakatos 1.7.1 Considerações sobre o método Um "programa de pesquisa" lakatosiano é uma estrutura que fornece um guia para futuras pesquisas, tanto de uma maneira positiva, como negativa. A "heuristica negativa" de um programa envolve a estipulação de que as assunções básicas subjacentes ao programa, que formam o seu "núcleo rígido", não devem ser rejeitadas ou modificadas. Esse núcleo rígido e resguardado contra falseaçõs por um "cinturão protetor" de hipóteses auxiliares, condições iniciais, etc. A "heurística positiva" constitui-se de prescrições não muito precisas que indicam como o programa deve ser desenvolvido... Os programas de pesquisa são considerados "progressivos" ou "degenerantes", conforme tenham sucesso, ou persistentemente fracassem, em levar a descoberta de novos fenômenos. 1.7.2 Núcleo rígido O núcleo rígido (hard core) de um programa é aquilo que essencialmente o identifica e caracteriza, constituindo-se de uma ou mais hipóteses teóricas. Eis alguns exemplos. O núcleo rígido da cosmologia aristotélica inclui, entre outras, as hipóteses da finitude e esfericidade do Universo, a impossibilidade do vazio, os movimentos naturais, a incorruptibilidade dos céus. O núcleo da astronomia copernicana consiste das assunções de que a Terra gira sobre si mesma em um dia e em torno do Sol em um ano, e de que os demais planetas também orbitam o Sol. O da mecânica newtoniana e formado das três leis dinâmicas e da lei da gravitação universal. O da teoria especial da relatividade, o principio da relatividade e a constância da velocidade da luz; o da teoria da evolução de Darwin-Wallace, o mecanismo da seleção natural. 1.7.3 Heurística negativa Por "uma decisão metodológica de seus protagonistas" (Lakatos 1970, p. 133), o núcleo rígido de um programa de pesquisa e "decretado" não-refutavel. Possíveis discrepâncias com os resultados empíricos são eliminadas pela modificação das hipóteses do cinturão protetor. Essa regra e' a heurística negativa do programa, e tem a função de limitar, metodologicamente, a incerteza quanto a parte da teoria atingida pelas "falseações". Recomendando-nos direcionar as "refutações" para as hipóteses não-essenciais da teoria, a heurística negativa representa uma regra de tolerância, que visa a dar uma chance para os princípios fundamentais do núcleo mostrarem a sua potencialidade. O testemunho da historia da ciência parece de fato corroborar essa regra, como vimos nos exemplos que demos acima. Uma certa dose de obstinação parece ter sido essencial para salvar nossas melhores teorias cientificas dos abundantes problemas de ajuste empírico que apresentavam quando de seu nascimento. Lakatos reconhece, porém, que essa atitude conservadora tem seus limites. Quando o programa como um todo mostra-se sistematicamente incapaz de dar conta de fatos importantes, e de levar a predição de novos fenômenos (i.e., torna-se "degenerante"), deve ceder lugar a um programa mais adequado, "progressivo". Como uma questão de fato histórico, nota-se que um programa nunca e abandonado antes que um substituto melhor esteja disponível. 1.7.4 Heurística positiva A heurística positiva de um programa é mais vaga e difícil de caracterizar que a heurística negativa. Segundo Lakatos, ela consiste "de um conjunto parcialmente articulado de sugestões ou idéias de como mudar ou desenvolver as 'variantes refutáveis' do programa de pesquisa, de como modificar, sofisticar, o cinturão protetor 'refutável'." (op. cit. p. 135) No caso da astronomia copernicana, por exemplo, a heurística positiva indicava claramente a necessidade do desenvolvimento de uma mecânica adequada a hipótese da Terra móvel, bem como de novos instrumentos de observação astronômica, capazes de detectar as previstas variações no tamanho aparente dos planetas e as fases de Vênus, por exemplo. Assim, o telescópio foi construído algumas décadas após a morte de Copérnico pelo seu ardente defensor, Galileu, que também principiou a criação da nova mecânica. Esta, a seu turno, uma vez concebida por Newton, apontou para um imenso campo aberto, no qual se deveria buscar uma nova matem ática, medidas das dimensões da Terra, aparelhos para a detecção da forca gravitacional entre pequenos objetos, etc." Tomando o exemplo de um dos mais bem sucedidos programas de pesquisa da Física, a Mecânica Newtoniana, vemos que possui um núcleo rígido formado pelas três leis newtonianas do movimento e pela lei da gravitação universal, que a heurística negativa do programa recomenda sejam mantidas inalteradas: eventuais discrepâncias com a experiência devem ser eliminadas através de ajustes nas hipóteses auxiliares do cinturão protetor. Esse processo ocorreu várias vezes durante o desenvolvimento do programa, como quando, no século XIX, se verificou que as previsões teóricas para a trajetória do planeta Urano conflitavam com os dados da observação astronômica; ao invés de imputar esse desvio a possível falsidade das leis do núcleo rígido, assumiu-se que deveria existir um corpo celeste desconhecido perturbando a trajetória do planeta; mais tarde, foi, de fato, observada a existência desse corpo, o planeta Netuno. Assim como nesse episódio, a conjunção das heurísticas negativa e positiva do programa newtoniano levou à inúmeros desenvolvimentos: novas teorias ópticas, novos aparelhos e técnicas de observação, criação de novos ramos da Matemática etc. A partir do início de nosso século, porém, o programa tornou-se degenerante, por motivos vários que não cabe expor aqui, vindo a ser substituído pelos programas das Teorias da Relatividade e da Mecânica Quântica. 1.7.5 Critérios de demarcação Como podemos notar da citação acima, os modernos conceitos de ciência, mais realistas, deixam transparecer o caráter claramente humano da ciência, que passa a ser então vista como um fruto das convicções de um grupo social (que "decreta" que o núcleo rígido de seu programa de pesquisa é não-refutável), com todo o seu conteúdo de crenças e des-crencas e, portanto, de subjetivismo. Enfim, assume-se claramente a realidade de que não existe um método "objetivo e seguro" de se fazer ciência. "A concepção lakatosiana de ciência envolve um novo critério de demarcação entre ciência e não-ciência. Lembremos que o critério indutivista considerava cientificas somente as teorias provadas empiricamente. Tal critério é, como vimos, forte demais: não haveria, segundo ele, nenhuma teoria genuinamente cientifica, pois todo conhecimento do mundo exterior e falível. Também o critério falseacionista, segundo o qual só são cientificas as teorias refutáveis, elimina demais: como nenhuma teoria pode ser rigorosamente falseada, nenhuma poderia classificar-se como cientifica." O critério de demarcação proposto por Lakatos, por outro lado, adequadamente situa no campo cientifico algumas das teorias unanimemente tidas como cientificas, como as grandes teorias da física. Esse critério funda-se em duas exigências principais: uma teoria deve, para ser cientifica, estar imersa em um programa de pesquisa, e este programa deve ser progressivo. Deixemos a Lakatos a palavra (1970, pp. 175-6): "Pode-se compreender muito pouco do desenvolvimento da ciência quando nosso paradigma de uma porção de conhecimento cientifico e uma teoria isolada, como 'Todo cisne e branco', solta no ar, sem estar imersa em um grande programa de pesquisa. Minha abordagem implica um novo critério de demarcação entre 'ciência madura', que consiste de programas de pesquisa, e 'ciência imatura', que consiste de uma colcha de retalhos de tentativas e erros ..." "A ciência madura consiste de programas de pesquisa nos quais são antecipados não apenas fatos novos, mas também novas teorias auxiliares; a ciência madura possui 'poder heurístico', em contraste com os processos banais de tentativa e erro." Lembremos que na heurística positiva de um programa vigoroso há, desde o inicio, um esboço geral de como construir os cinturões protetores: esse poder heurístico gera "a autonomia da ciência teórica". Essa "exigência de crescimento continuo" [progressividade do programa] e minha reconstrução racional da exigência amplamente reconhecida de 'unidade' ou 'beleza' da ciência. Ela põe a descoberto a fraqueza de "dois" tipos de teorização aparentemente muito diferentes entre si. Primeiro, evidencia a fraqueza de programas que, como o marxismo ou o freudismo, são indubitavelmente 'unificados', e fornecem um plano geral do tipo de teorias auxiliares que irão utilizar para a absorção de anomalias, mas que invariavelmente criam suas teorias na esteira dos fatos, sem ao mesmo tempo anteciparem fatos novos. (que fatos novos o marxismo "previu" desde, digamos, 1917?) Em segundo lugar, ela golpeia seqüências remendadas de ajustes 'empíricos' rasteiros e sem imaginação, ato freqüentes, por exemplo, na psicologia social moderna. Tais ajustes podem, com o auxilio das chamadas 'técnicas estatísticas', produzir algumas predições 'novas', podendo mesmo evocar alguns fragmentos irrelevantes de verdade que encerrem. Semelhantes teorizações, todavia, não possuem nenhuma idéia unificadora, nenhum poder heurístico, nenhuma continuidade. Não indicam nenhum programa de pesquisa, e são, no seu todo, inúteis." 2 CONSIDERAÇÕES FINAIS a) Aproveitamento prático – metodologia de pesquisa (cientista de hoje) b) Preparação de pesquisas científicas. 3 ENCAMINHAMENTOS . - Leituras complementares - Atenção aos métodos de pesquisa 4 REFERÊNCIAS ALVES-MAZZOTTI, Alda judith & GEWANDSNAJDER, Fernando. O Método nas Ciencias Naturais e Sociais: Pesquisa quantitativa e qualitativa. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 2001. BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. 314 p. FEYERABEND, Paul Karl. Contra o método. 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POPPER, Karl Raimund. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975-1999. 394 p. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. 12. ed. Santa Maria da Feira (Portugal): edições Afrontamento, 2001. 59 p. http://200.17.161.33/~lhammes.unipampa/LucioHammes_files/Textos/LakatosTeriaCien\ cia.htm iencia.htm>

 
 
 

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